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Coltrane no Jardim...


Com o alumbramento de quem pela primeira vez contempla um lugar onde se sinta em paz, um lugar que apenas de longe se admire a beleza, ele olhou. 

Era a primeira vez se encontrava as portas de um lugar como um Jardim Botânico; lugar onde a natureza é sempre crua, nua, pura e bela, ele olhou. Era o tipo de lugar que ele via e se deliciava com a beleza, mas sem nunca se aproximar.

Num lampejo de (louca) coragem mudou sua rotina, e com isso olhou mais de perto. 

Começou a observar detalhes que de longe não seria possível ver. Uma pequena marca aqui, certamente fruto de uma história pregressa. Um sinal de delicadeza que olhando de longe jamais julgou existir.

Mais que isso, muito mais, viu nuances que estavam fora do alcance da sua vista, e que o fascinaram. As cores ganharam contraste, as formas se definiram. Aquela pequena assimetria que a todo momento puxava o seu olhar; e que, por ser assim pela natureza, destacava-a dos demais; completando a beleza crua daquilo que observava.

E observava.

E observava.

Observou e observou, até que tudo passou a habitar seus sonhos, um presente e um castigo que Mestre Sonho brindou-o. Noite após noite ele sorriu, e em cada manhã subsequente o castigo se descortinava levando para longe as sutilezas imaginárias de seu sonho, tal como planejado pelo irmão mais novo de Sonho, o habitante do limiar: Desejo.

Decidiu agir, e preparou-se para tal.

Fez todo o caminho imaginando que outros mistérios desvendaria, o que lhe chamaria atenção, quando enfim se aproximasse mais.
Sentou-se em frente.
De um lado, a curiosidade e a vontade.
De outro o medo do desconhecido, o medo do que esses novos mistérios revelariam.
E, ainda parado em frente, encarou bem a ponta dos pés.
Sorriu o seu riso nervoso, aquele dos derrotados e girou meia volta.


Não entraria no Jardim Botânico.


A pequena marca que havia sido deixada na árvore a direita de quem entra, marca para a qual ele construía histórias em sua mente de covarde observador, continuaria tendo apenas a história em sua mente a consolá-lo.
Dos sinais de delicadeza estampado em cada pequeno botão, em cada flor prestes a desabrochar, manteria apenas o mistério. 
Não conheceria o sabor da fruta vermelha tão bela de se olhar, que lhe sorria da árvore em frente ao portão, onde o caminho se bifurcava e ele os perdia de vista. Nos seus sonhos o sabor sempre fora doce, e os caminhos voltavam a se encontrar após um tempo, culminando em uma árvore que ele não sentiria o cheiro, que para os pássaros fez-se ninho e para os casais as juras de amor na casca.
Foi embora sem entrar no Jardim Botânico, mas decidiu que não voltaria a sua rotina.
O Sonho, seu irmão Desejo, e todos os Irmãos Perpétuos que se danassem, ele não cairia em seus joguetes, exceto o da inescapável irmã mais velha, claro. 


Talvez o Jardim Botânico conte essa história de modo diferente, quando conversa com suas árvores, mas foi assim que me foi contada, e assim eu conto à vocês.


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