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Depois da tempestade...

Ele estava calmo.

Procurava nos lugares costumeiros por problemas, porém desta feita não encontrava. Parecia que naquele momento, naquele maldito momento, nada o irritaria.

Em um lampejo de consciência, como se a clareza de pensamentos que apenas Deus possui invadisse sua mente ele Viu.

Não como se vê sempre. Se viu de cima, de fora.

Lembrou naquele instante das viagens com as mais diversas substâncias que conhecera e experimentara em sua vida. Já tivera viagens como aquela. Porém nesse instante estava sóbrio. Como era possível alguém em pleno domínio da mente sentir-se tão calmo? E o que é pior, perder os próprios pensamentos de vista e embarcar numa surreal viagem pelas lembranças de sua vida.

Não lembranças de pessoas, nem de fatos nem de locais. O que ele se lembrava não era palpável, pelo menos não era pra ser. Ele Viu seus sentimentos. E eles assustadoramente tinham assumido forma quase humana.

O grande cavaleiro negro que era em si a própria montaria, sempre com o rosto escondido, e o seu gêmeo idêntico, salvo que esse era por sua vez branco, encaravam-se imóveis desde antes do próprio tempo.

Cercados por seus lacaios, cada qual em sua estranheza e singularidade.

O humanóide chacal, que esgueirando pelas sombras aguarda o momento oportuno de assumir o controle.

A feia lagarta, sempre deitada, parecendo que não quer nada, nunca, porém sempre disposta a comer tudo que por ali brotasse.

O bonito menino de pele morena que corria divertindo-se e aqueles que presenciavam sua plenitude.

E a bela menina de pele duma brancura impressionante, com uma singela margarida em mãos, o mais profundo silêncio em seus lábios, tão perturbador que nem a asquerosa lagarta atrevia a tentar alcançar-lhe a flor, e o vento esvoaçando os cabelos mais lindos que alguém poderia conceber.

E ele reviveu uma calmaria que a muito jazia esquecida.

E teve medo.

Dessa vez não deixaria ser como aquela. Essa calmaria seria plena de sentimentos. Não deixaria tudo que viu trancado novamente numa caixa. Não se sentiria calmo apenas por trancar os sentimentos.

Escolhera a vida em outra oportunidade, e desejava que essa vida fosse completa, e não apenas mais uma subsistência vaga preenchida pela ilegalidade de tudo. Correria o risco de errar para não mais correr o risco de não sentir.

Escolhera a vida, e viveria todas as dores e todos os amores que no passado trancou naquele feio baú empoeirado.

A jaula estava aberta, e ele solto pra viver, finalmente a ...Bonança.

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